Tu viu a Brunella?

 - Tu viu a Brunella?

 - O quê?

 - Demoliram. O progresso tem pressa.

 - O que vão fazer ali?

 - Não sei, acho que um prédio novo.

 - E como tá ali agora?

 - Uma fratura exposta. Pior que tá bonito, parece um buraco na gengiva depois de arrancar um dente. Cidade banguela.

 - Haha. Acho que nunca fui na Brunella.

 - Eu fui algumas vezes, agora fico pensando que deveria ter ido mais. O sorvete não era muito bom, nem os kreps, mas tinha um quadro na parede, um quadro de um nenezão gordo, que era muito engraçado. Espero que não tenham destruído ele também.

 - Os destruidores não tem muitos sentimentos.

 - Nem podem ter. Tu acha que os caras da guilhotina, promovendo a revolução e o progresso, tinham sentimentos? Tinham é que descer a lâmina do tempo nos pescoços saudosistas.

 - É... Arautos do progresso.

 - Se bobear condenam até o cara que chora em velório. “Pra quê chorar? As pessoas morrem pra que outras possam nascer!”

 - E não deixam de ter razão.

 - Certo. Mas, mesmo assim, não dá pra olhar pro caixão da vó e não desejar dar mais um abraço.

 - É.

 - A vida.

 - A vida.