sábado, 3 de dezembro de 2011

Literatura: telefone

Quase cinco horas da manhã e o telefone chama. Chama inúmeras vezes, assim como na semana passada e no mês passado. Alguém deve escutar. Afinal, um telefone tocando faz mais barulho que qualquer sirene. Ainda mais essa hora da madrugada.
Um amigo comentou que, quando bebia, ligava pra muitas mulheres. Todas da sua agenda. Escrevia e-mails apaixonados mandados para endereços errados. Percebia tudo isso no dia seguinte e não se lembrava de nada. É muito fácil relacionar um telefone tocando às cinco da manhã com álcool.
O telefone continua chamando. Cinco da manhã.
No apartamento já entra cheiro de torradas e do leite quente com café dos outros apartamentos. Ouço ônibus urbanos passando e parando numa parada perto daqui. Todo mundo se prepara para trabalhar e algumas pessoas se irritam com telefones tocando acordando-as uma hora antes do previsto. Sei que telefones não deveriam tocar nessa hora, mas é até mais barato ligar na madrugada.
Eu nunca gostei de falar no telefone, na internet eu até me dei bem. Mas sempre gostei e acho que nada substitui o contato ao vivo e a cores. Olhos nos olhos. Sei que tudo o que teria pra falar seria melhor ao vivo do que no telefone tocando.
Minha mãe, se o telefone tocava durante a madrugada, já esperava a notícia de algum falecimento na família ou acidente dos filhos. Uma vez liguei às três da manhã e ela reclamou, assim como reclamaria se eu não avisasse que iria dormir em outro quarto em outra casa. Não tinha opção a não ser incomodá-la.
Não tem nada melhor a fazer do que ligar essa hora da manhã pra alguém? Não seria melhor mandar uma carta? Seria muito charmoso pensar nesse tipo de comunicação. Ou procurar o endereço das pessoas e falar ao vivo? Bater na porta e esperar alguém abrir, ficar na frente do prédio esperando alguém sair. Mas inventaram um aparelho chamado telefone substituindo as outras possibilidades por ser mais confortável. Todas as frases que demorei semanas pra inventar só poderiam ser entendidas pelo contato presencial. E o telefone ainda chama, esperando um simples “Alô”, ou um “Oi” com voz de sono.
Cinco horas da manhã e o dia nem clareou. O telefone ainda toca e eu coloco a mão em cima do gancho indeciso se atendo ou não...

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Roberto Giovanaz


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